9.11.09

“Ler é viajar pela mão de outro’’
Fernando Pessoa

Disse-nos um dia Fernando Pessoa: “Ler é viajar pela mão de outro.”. Eu não podia estar mais de acordo. Afinal, um livro é um mapa. Um mapa cujas rotas nos levam a imaginar, por vezes, o impossível. Ao termos um livro nas mãos e tocarmos com os dedos, ao de leve, na sua capa, é como se estivéssemos a sentir a áspera folha de pergaminho enrolada que esconde o itinerário que o autor reservou para quem viesse a ler a sua obra.
Este mapa escondido no interior do livro faz-nos viajar, criar imagens na nossa mente através da descrição do escritor. Ou seja, mesmo que o local ou situação descrita seja imaginária, nós, involuntariamente, criamos uma imagem mental com os ingredientes que extraímos da descrição. Passeamos pelas palavras, trilhamos entre as frases, vivemos a situação descrita sempre de mão dada ao escritor ou, muitas vezes, á sua imaginação. É como se a nossa mente, enquanto lemos, se ligasse á do escritor. Vemos os mesmos horizontes, cruzamos os mesmos céus, navegámos no mesmo mar, no mesmo barco, a sentir a mesma brisa.
Ler leva-nos a envolvermo-nos inconsciente e emocionalmente na história como se fizéssemos parte desta, esquecendo-nos do que nos rodeia. Sentimos o mesmo que as personagens e até somos capazes de ver e ouvir o mesmo que elas. E só acordamos para a realidade no fim da história, como se estivéssemos a sonhar.
Por outro lado, podemos embarcar em viagens que nos levam a sítios que realmente existem. Se nos fosse apresentada uma descrição de um local tão precisa, tão real, a imagem mental que criaríamos em pouco se distanciaria da realidade. Apesar de, como diz o provérbio, uma imagem valer mais que mil palavras, podemos conhecer, pormenorizadamente, sítios novos, locais e países que nunca visitámos e que, provavelmente, nunca poderemos vir a visitar e, falar deles e descreve-los com a mesma precisão de alguém que já lá tenha estado. A meu ver, alguém que nunca tenha estado em Paris pode, se ler exaustivamente sobre a Cidade Luz, descreve-la como se alguma vez lá estivesse estado, apesar de nunca poder dar a sua opinião sobre a cidade.
Ler pode-nos levar até sítios imaginários ou até aqueles que fazem parte do nosso mundo. Mas o que realmente importa é a maneira como o escritor descreve algo pois é através dele que iremos viajar e, se este for bem sucedido, encontrar o tesouro do nosso mapa: sentir que, por momentos, pertencemos a um lugar diferente.

26.3.09

Vós, jovens, sois a esperança do Futuro.

Vós, jovens, sois a esperança do futuro. Vós, cidadãos comuns, sois a nova força que emerge para evoluir o nosso mundo. Sobre vós cai toda a responsabilidade de tornar o nosso mundo melhor. Sobre vós, próximos presidentes e governantes, empresários e ambientalistas do futuro ou até simples povo, sobre vós cai a responsabilidade de guiar o futuro da sociedade actual.
A nossa sociedade actual sofre profundamente de graves problemas à escala mundial. Todos os dias a pobreza e a miséria vitimam milhares; todos os dias a economia mundial cai a pique; todos os dias o planeta caminha para um futuro indesejável por todos nós. Problemas que a nossa sociedade não conseguiu até hoje neutralizar, problemas que a nossa sociedade não conseguiu prever e, principalmente, problemas que a nossa sociedade causou.
Por isso, está em vós a nossa esperança. Por isso é-vos pedido, simples jovens, estudantes e universitários, que até agora foram meras crianças que começaram a dar os primeiros passos na sociedade, é-vos pedido que se afirmem quanto antes, é-vos pedido que levantem a voz, é-vos pedido que ergam esta sociedade... Custa muito? Requer sacrifício? Deixa-vos menos tempo para gozarem a vida? Valerá a pena? Sim, sim e sim! Todo o esforço vale a pena. É preciso sacrificar hoje para que amanhã as próximas gerações possa gozar a vida e possam proporcionar-vos condições para gozarem a vossa.
Está na hora de vocês, juventude mundial, agarrarem as rédeas firmemente e fazer aquilo que outros jovens não conseguiram. Está na hora de, à semelhança de organizações intelectuais de jovens tal como a Geração de 70, avançar com ideias revolucionárias e comandar a sociedade sem receios, sem medo. Por isso eu hoje digo que, tal como Luther King, eu tenho um sonho. Tenho um sonho de que vós, jovens, ireis governar o nosso mundo com sucesso. Tenho um sonho de que vós, jovens, conseguireis combater a pobreza e a miséria. Tenho um sonho de que vós, nossos jovens, jovens da sociedade, jovens do mundo, tenho um sonho de que vós fareis deste mundo um sítio melhor...

Braga, 15 de Janeiro de 2009
João António Mesquita Barbosa

5.3.09

Uma página de diário...

Braga, 27 de Fevereiro de 2008

Guardarei comigo este dia para sempre. Dia em que cumpro 16 anos de idade. 16 anos! Idade nobre, idade em que muitas coisas mudam. No dia anterior ainda somos muito novos. No dia do aniversário ja' temos mais responsabilidades, ja' não somos mais crianças.
Não podia passar este dia sem registar o que vai nos meus pensamentos.

Hoje, o dia ja' não foi como o de ontem. O mundo mudou. Ficou maior, mais difícil de suportar, mas ao mesmo tempo mais frágil. Precisa mais do meu apoio, da minha ajuda,da minha responsabilidade.
Tenho receio, medo ate' de não conseguir suportar tal dever.
Ao mesmo tempo, sinto que nasceu uma nova chama dentro de mim. Sinto coragem, força, poder, vida...
Sinto que tenho força suficiente para mudar o mundo e moldá-lo à minha medida.
Sinto que sou invencível.
Sinto que este dia nunca irá acabar...

João António Barbosa

7.2.09

O Cachimbo de Marfim

Era inícios de Dezembro. A noite estava muda, fria e vestida de luto. Fazia tanto frio que o ar quase congelava os pulmões. Não havia ninguém na rua. Ninguém à excepção de alguém que estava sentado num degrau de um prédio a fumar num cachimbo de marfim. Abraham Portilla, nome temido por muitos, adorado por outros. Abraham tinha fugido de casa quando ainda tinha um coração no peito. Passaram-se anos, anos em que nem os pais nem Santiago, o seu irmão mais novo, souberam onde ele estava. Agora, os pais já tinham sido enterrados e o irmão há muito que tinha desistido de o procurar.
A noite avançava. Tornava-se cada vez mais fria, mais escura, mais silenciosa. Os pássaros aconchegavam-se nos seus ninhos, os morcegos não voavam e os gatos já estavam recolhidos junto das suas famílias. Abraham continuava a fumar o seu cachimbo de marfim em forma de galeão. O seu cachimbo era uma verdadeira obra de arte, onde se poderia observar os dois mastros da vante, o grande e o traquete, e os dois mastros da ré, o mezena e o contra-mezena. O fumo saía do contra-mezena, que situa junto a popa, em intervalos regulares quase perfeitos de tempo. Até que, a certa altura o fumo deixou de sair do mastro da embarcação. Abraham expirou e respirou fundo. O ar gélido entrou nos seus pulmões. Tinha acabado de tomar uma grande decisão, uma das mais importantes da sua vida. Ninguém conseguiria adivinhar qual a decisão tomada por aquela mente tenebrosa.
Levantou-se e pela primeira vez foi possível ver o contorno do seu corpo. Alto, entroncado, Abraham começou a dirigir-se para Nordeste. Caminhou durante uma hora sempre a fumar o cachimbo de marfim. Passou por arranha-céus, moradias geminadas, habitações luxuosas, pelo lago da cidade até chegar a um bairro de vivendas. Caminhou por entre as ruas do bairro até chegar a casa n.º 27. Respirou fundo de novo e guardou o seu maior tesouro. O ar continuava gélido e a noite negra. Avançou pelo jardim e olhou em seu redor. O jardim era amplo e ao que parecia, estendia-se para as traseiras da casa.
“Não vive mal.” Pensou. Seguiu até à porta e levantou a mão. Recuou. Receou fazê-lo. Olhou de novo em seu redor. Havia uma grande janela perto da porta. Aproximou-se dela. Por entre as cortinas, dava para perceber que era a sala. Havia uma mesa de jantar ao fundo, uma lareira acesa e quatro pessoas alegres. Sentiu um nó no estômago. Ficou parado, petrificado até, a olhar para aquela família feliz. O rapaz mais velho carregava o mais novo nas costas enquanto os pais sorriam e batiam palmas. Esta imagem familiar deu-lhe coragem. Voltou para a porta, fechou a mão e bateu três vezes. Ouviu então uma voz masculina:
– Já vai! Gabriel, Rafael, para a cama. Querida, vai ver se eles adormecem.
Ouviu passos apressados a subir as escadas. Foi então que a porta se abriu e o rosto de Santiago apareceu no meio da luz.
– Olá Santiago – disse Abraham – como tens passado?
Santiago paralisou.
– Então, não dizes nada irmão? – interrogou Abraham.
A face de Santiago esboçou um grande sorriso. Apercebeu-se de que conhecia aquele cabelo castanho curto, aquela barba por fazer, aquele sorriso dócil, aquele olhar caloroso…
– Gabriel, meu irmão! – exclamou Santiago, enquanto abraçava o irmão.
Gabriel. Tinha há tantos anos adoptado o nome Abraham Portilla e tanto se habituou a esse nome respeitoso que se tinha esquecido do seu próprio nome: Gabriel Juan Atienza.
– Entra irmão. – pediu Santiago conduzindo-o para a sala. Esta era ampla, em cima da mesa de jantar tinha um ramo de tulipas vermelhas e uma par de velas amarelas. Os sofás eram verdes e havia uma mesa pequena em frente aos sofás coberta por uma toalha amarela e com uns castiçais em cima. A televisão encontrava-se por cima da lareira acesa que libertava calor que aquecia toda a sala.
– Deves estar gelado. Aquece-te junto da lareira. – sugeriu Santiago - Nicole, vem cá querida. Como é que me encontraste? E logo no dia…
– Do teu aniversário. – concluiu Gabriel – Eu sei. Não me esqueci.
Houve uma pausa. Nenhum dos dois falou. Era tão grande a emoção que as palavras, as frases e as perguntas custavam a sair. Gabriel fitou o irmão. Era igual á imagem que tinha do seu pai: o rosto redondo, o cabelo cinzento, os olhos castanhos, os mesmos traços secos e as mesmas mãos belas e sensíveis. Santiago também olhou para Gabriel. Este não tinha mudado quase nada: olhar era o mesmo e o sorriso também.
– Andei anos à tua procura Gabriel – disse finalmente Santiago – mas foste tu quem veio ao meu encontro…
Gabriel não falou. Estava com um ar muito pensativo. Estava a pensar os esforços que teve de fazer para que não fosse encontrado nos primeiros cinco anos da sua fuga. Depois viajou, viajou muito. Já conhecia meio mundo, e o outro meio mundo já tinha ouvido falar dele. Até que, quando se viu às portas da morte, decidiu que era altura de procurar aqueles que passaram a vida a procurá-lo. Andou anos e anos a procurar os pais, até que soube que estes já estavam mortos. Chorou muito nessa noite. Mas não desistiu de procurar o irmão. E, passados longos anos, lá estava ele, sentado no sofá verde da casa do irmão.
Foi então que apareceu Nicole. Uma mulher alta, do tamanho de Santiago, que transbordava beleza por todos os lados. Era morena, os seus cabelos castanhos de fada eram longos e belos, os olhos cor de porcelana azul transmitiam paz e serenidade e o seu sorriso era doce e terno. E quando Santiago estava a apresentá-la a Gabriel, apareceram os seus dois filhos cada um vestidos no seu pijama azul.
– Filhos, que fazem vocês de pé? – perguntou Santiago aos miúdos – Sentem-se aqui que eu quero apresentar-vos este senhor. Os rapazes correram para o sofá.
Este senhor – disse Santiago – é vosso tio. É o meu irmão Gabriel.
E nesse momento, percebeu-se por que razão o miúdo mais velho tinha o seu nome. Era alto, o cabelo era castanho como o seu e os seus olhos castanhos pareciam que enviavam raios de luz. Já o mais novo, Rafael, era a “cara chapada” do pai quando Santiago era mais novo. Era franzininho, cabelo castanho claro, mas tinha herdado os olhos cor de porcelana azul de Nicole.
- Então eu chamo-me Gabriel por causa deste tio, não é pai? – perguntou o pequeno Gabriel. Toda a gente sorriu e Santiago respondeu acenando a cabeça em sinal afirmativo. Foi então que, com lágrimas nos olhos, Gabriel chamou os sobrinhos para o seu colo. Estes correram dum sofá para o outro para, pela primeira vez na vida, receberem o carinho do tio. Gabriel sentiu-se como já não se sentia há anos. Sentiu-se amado de novo. Sentiu-se como se pudesse mudar o que tinha feito.
E desde então, desde esse momento Gabriel decidiu passar o resto da sua vida ao lado daqueles que o amavam. Por isso comprou uma casa na mesma rua e ai viveu junto deles os melhores anos da sua vida.
E nunca mais se ouviu falar de Abraham Portilla.